quarta-feira, 3 de junho de 2020

1ª CÂMARA INDENIZA EM R$ 5 MIL JOVEM APRENDIZ QUE SOFREU DANOS MORAIS EM SERVIÇO NO CONSELHO TUTELAR

Contratada como menor aprendiz pela Legião Feminina de Lençóis Paulista, a jovem de 17 anos foi designada a prestar serviços junto ao Conselho Tutelar do município, como recepcionista, mas não demorou para apresentar sinais claros de perturbação mental (depressão, síndrome do pânico e transtornos de ansiedade), devido ao trabalho em contato com casos graves de abuso sexual, estupro, violência doméstica, espancamento, uso de drogas e abandono de crianças e adolescentes. Após pouco mais de um ano afastada, a jovem pediu demissão.
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Na Justiça do Trabalho, a aprendiz teve seu pedido julgado improcedente em primeira instância. Em seu recurso, insistiu, porém, pela condenação das reclamadas (Legião Feminina e Município de Lençóis Paulista) ao pagamento de indenização por dano moral e material, bem como o reconhecimento da nulidade do contrato de aprendizagem.

Para o relator do acórdão da 1ª Câmara, desembargador José Carlos Abile, não há como negar o desvirtuamento do contrato de menor aprendiz, bem como a responsabilidade da empregadora pela doença psíquica adquirida pela jovem trabalhadora. O colegiado afirmou, no julgamento unânime, que locais que envolvem histórias difíceis de abusos de toda ordem contra crianças e adolescentes, sérias negligências, abandono e violência, como os Conselhos Tutelares, não são ambiente para jovens aprendizes, seres em desenvolvimento que precisam de ambientes sadios que os encorajem ao mercado de trabalho, como uma experiência positiva, e também ressaltou que as vivências do primeiro emprego devem fortalecer a capacidade e potência dos jovens e não fazê-los sentirem-se incapazes de realizar atividades para as quais, na verdade, ainda não estão prontos.

Em sua defesa, a reclamada alegou que a jovem não tinha contato com os casos, e que cabia a ela apenas identificar e direcionar pessoas ao atendimento e realizar agendamento através de sistema de informática, mas a prova produzida nos autos demonstra que a reclamante fazia a primeira triagem, antes do encaminhamento aos conselheiros, tendo contato com histórias e casos graves, como abusos e maus-tratos de crianças e adolescentes. E por ser a pessoa responsável pelo primeiro contato do público, não era incomum atender pessoas que chegavam nervosas e queriam desabafar com quem estivesse ali.

Uma das conselheiras tutelares, em depoimento como testemunha da aprendiz, afirmou que a jovem trabalhava das 8h às 17h, com 1h a 1h30 de almoço, revezando o trabalho com uma secretária, e que, como legionária mirim, atendia as pessoas que procuravam o serviço do Conselho Tutelar, fazia fichas e solicitava documentos, anotava nas fichas também do que se tratava o atendimento, se de abuso, problemas em escolas, maus-tratos, sendo esses casos mais graves, mas negou que a jovem tivesse mais contato com as pessoas depois de feitas as fichas. Uma segunda testemunha da reclamante disse ter presenciado a jovem escutando a história de uma senhora que pretendia a guarda da neta porque a mãe era usuária de drogas.

Já a testemunha da empregadora, uma assistente social, afirmou que não acompanhava as atividades diárias da reclamante, tendo contato com ela uma vez por mês, e por isso, no entendimento do colegiado, não foi categórica em responder perguntas fundamentais relativas às atividades desempenhadas pela jovem trabalhadora.

No entendimento do colegiado, porém, a rotina dos Conselhos Tutelares está longe de ser meramente burocrática e é sabido que, na maioria das vezes, as pessoas que buscam o órgão estão com as emoções efervescentes, e portam histórias muito difíceis de serem escutadas, sobretudo para uma jovem de 17 anos, que ainda não tem maturidade e vivência necessárias para absorver toda essa carga de informações. Tanto isso é verdade que o laudo médico do psiquiatra que atendeu a reclamante constatou que a jovem apresenta quadro depressivo moderado a grave e tem dificuldade em lidar com o sistema de trabalho e a carga emocional das entrevistas que faz.

A psicóloga que passou a atender a reclamante afirmou em seu relatório, destinado ao empregador, que a jovem aprendiz pela sua idade tinha um cargo ‘pesado’ na área psicológica no setor do seu trabalho, e lidava com muitos problemas. O médico ressaltou ainda que a jovem não tem um histórico familiar bom, com alguns traumas em sua infância, porém revividas novamente no seu dia a dia no trabalho. A psicóloga afirmou também que a paciente está em tratamento, que não tem condição alguma de voltar ao mesmo lugar de trabalho (Conselho Tutelar), e que necessita urgentemente ser transferida ou afastada novamente, mas salientou que ela não pode pedir a conta do trabalho, pois está em tratamento com fortes transtornos que foram gerados no seu setor de trabalho, e que faz uso de fortes medicamentos faixa preta e homeopáticos.

Embora o perito nomeado pelo Juízo tenha afastado o nexo de causalidade entre a doença psiquiátrica e o ambiente de trabalho, não trouxe elementos necessários para elidir as fundamentadas conclusões dos relatórios dos especialistas em saúde mental que acompanharam a reclamante desde suas primeiras queixas, ressaltou o acórdão. O colegiado também lembrou que, embora observados os requisitos formais, a essência da aprendizagem, que garantisse a compatibilidade das atividades com o desenvolvimento psicológico da jovem trabalhadora não foi observada, e destacou o fato curioso e inaceitável, conforme o próprio acórdão, de que a violação ao direito da jovem trabalhadora de ter um ambiente psicologicamente adequado à sua idade e maturidade, partiu de duas entidades que têm como finalidade a proteção da infância e da adolescência.

A Câmara concluiu que em face do descumprimento de todo arcabouço jurídico protetivo ao trabalho do menor, impende reconhecer a nulidade do contrato de aprendizagem, o que torna a aprendiz empregada efetiva com seus direitos trabalhistas garantidos. Ressaltou, por fim, que o pedido de demissão nitidamente está eivado de nulidade, já que a reclamante, diante de seu quadro de saúde mental, negligenciado pela empregadora, precisou pedir demissão diante da insustentável continuidade do contrato, mesmo precisando do emprego, como ponderado pela psicóloga que acompanhava a reclamante. E pelo fato de o afastamento previdenciário (de 26/9/2018 a 31/10/2019) ter ocorrido em razão de doença relacionada ao trabalho, nos termos da Súmula 378 do TST, devem ser assegurados à trabalhadora os salários relativos aos doze meses posteriores à alta previdenciária, bem como as férias do período com 1/3 e 13º salário.

O acórdão, por fim, concluiu que o dano moral sofrido pela aprendiz, por culpa da empregadora por seu adoecimento psíquico, não requer prova, pois o prejuízo, nesses casos, está in re ipsa, e que, no caso, escolheu mal a empregadora o local em que a reclamante prestaria serviços, sendo evidente que o Conselho Tutelar não é ambiente adequado para o menor aprendiz, portanto, evidente o dano moral sofrido pela reclamante, de modo que a empregadora deve arcar com a indenização correspondente. Quanto ao valor, o colegiado levou em consideração a culpa da reclamada e o nexo de causalidade, a posição social do ofendido, a situação econômica das partes e a extensão do dano, e arbitrou à indenização o valor de R$ 5 mil. Quanto ao dano material, o colegiado arbitrou a indenização, cujo objetivo é a recomposição do patrimônio do acidentado ao mesmo patamar existente antes do acidente, de pagamento de 100% de seu salário no período em que a jovem aprendiz esteve completamente incapacitada para o trabalho (de 26/9/2018 a 31/10/2018). (Processo 0010121-56.2019.5.15.0074)

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região

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